BERNARDO
ÉLIS

(1915-1997)
O REGO
Queriam canalizar
as águas pro monjolo
mas o que abriram foi um rego de céu.
Agora
a manhã fugiu do céu
e veio morar dentro do açude.
De tarde
o céu entorna o crepúsculo no açude,
cujo silêncio paralítico
os sapos espetam
com canafístulas de gluglus.
As estrelas lavam roupa de luz
nos espraiados.
Já houve até quem visse anjos
- muitos anos - voando
nas asas dos pirilampos.
Foi desse jeito
que os homens escravizaram um retalho de céu,
amarrando-o ao rabo do monjolo.
VAZIO
A chuva há de cobrir friamente de branco os morros longes
feito um fantasma bondoso.
e depois há de vir numa carícia gelada afagar a cidade quieta
num gesto apagado de mão defunta.
e molhará de silêncio a calçada das ruas tortas.
E molhará o recolhimento místico das grandes árvores.
E baterá mansamente a vidraça de meu quarto,
numa irresolução medrosa de amante que prometeu não vir.
Depois,
sob a poeira da chuva fina,
fria,
indiferente,
teimosa,
ficará o vazio do meu coração,
a saudade nebulosamente imprecisa de seu corpo que eu nunca
possui.
As árvores lá fora estão pingando.

Música: anjopiano.mid

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