ALCEU WAMOSY

(1895-1923)
Via Crucis
Ó calvário do Verso! Ó Gólgota da Rima!
Como eu já trago as mãos e os tristes pés sangrentos,
De te escalar, assim, nesta ânsia que me anima,
Neste ardor que me impele aos grandes sofrimentos...
Esta mágoa, esta dor, nada existe que exprima!
Sinto curvar-me o joelho a todos os momentos!
E quanto falta, Deus, para chegar lá em cima,
Onde o pranto termina e cessam os tormentos...
Mas é preciso! Sim! É preciso que eu carpa,
Que eu soluce, que eu gema e que ensangüente a escarpa,
Para esse fim chegar, onde meus olhos ponho!
Hei de ascender, subir, levando sobre os ombros,
Entre pragas, blasfêmeas, gemidos e assombros,
A eterna Cruz pesada e negra do meu Sonho!
A Revolta do Corvo
Negro, petrificado e frio como um mito
de Buda, a passear o olhar de lado a lado,
Ele deixou-se ali ficar, sob o infinito
Peso de sua tortura - estranho torturado...
E lançando, talvez, à bruma do passado,
O seu profundo olhar, sereno, de proscrito
Atirou para o alto e negro céu calado,
A blasfêmia audaciosa e rubra do seu grito!
E o céu que não escuta e que marmóreo e torvo,
Riu, talvez, para si, da pequenez do corvo
E afivelou de novo a máscara de aço.
E o corvo, alçando o vôo, embriagado e tonto,
Subiu... cortou a névoa... a bruma... e como um ponto
Negro, sumiu-se além na escuridão do espaço...
Duendes
Nas mudas solidões da alma da gente,
Pela noite sem termo, andam vagando
Dolorosos espectros tristemente,
Em soluçante e doloroso bando...
Uns têm o aspecto cândido, inocente,
E os olhos cheios de lágrimas, chorando.
Outros, da rebeldia impenitente,
Vão, na fúria danada, estertorando.
É toda a dor amarga que nos prosta,
Que, num cortejo fúnebre, se mostra,
- Duendes vagando na alma - sem rebouços...
São as acerbas mágoas, os gemidos
Profundos, revoltados, doloridos,
E as blasfêmeas, e as pragas, e os soluços...

Música: clair.mid

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