O Guardião
Ligi@Tomarchio®
No século X, às vésperas do ano
mil, o Rei dos Elfos, determinou a
retirada de seu povo do convívio dos
humanos. Isto modificou completamente a
vida na Terra. Os elfos passaram a viver
no mundo obscuro dos bosques. E os homens
perderam a força da magia deles. A
dacisão de Odoronto, Rei dos Elfos, se
deu porque vimos nossa Flauta Dourada ser
destruída por um intrigante incêndio.
Ela era um símbolo sagrado, em
nosso reino. E sem ela todos se sentiram
desprotegidos.
Os elfos são seres com ouvidos
muito sensíveis. Necessitam, a cada
tempo, de algo que os ajude a não perder
o sentido da audição. Era escutando o som
emitido pela Flauta, que renovavam seus
ouvidos.
Assim, para nós, o instrumento
era mágico. Claro que qualquer um podia
tocá-lo, sentindo verter seus sons
inimagináveis.
Por ocasião do incêndio,
aconteceu ter sido eu o seu guardião.
Sei que era apenas um dos elfos.
Nem melhor do que os outros, nem
desmerecido da honra de tocar e guardar a
Flauta Dourada. Porém, confesso, não me
sentia digno para tanto. Penso que o Rei
Odoronto imaginou ser eu, Elton,
competente para a missão, por bem
ter o conhecimento das notas musicais,
com suas cores que tão poucos sabem
enxergar.
Mas será que as conhecia mesmo?
Será que as sabia ver tão bem, feito
aparentava? Imagino que se as conhecesse
ou tão bem soubesse vê-las, não cometeria
o descuido de deixar o instrumento
passar às mãos de Joice, um garoto
humano.
Acreditava no menino. Ele me
prometeu ser fiel a nosso povo. Mas por
que não cumpriu o prometido? Por
desatenção? Não. Não creio.
Joice era menino, mas
responsável e senhor de seus atos. Sem
família, ele vivia só na floresta e
gostava de todos nós. Não teria coragem
de cometer uma traição.
Traição não foi. Distração,
talvez?
Não. Não devia transferir minha
culpa. Se havia um responsável, era eu. O
que devia assumir, tentando remediar de
algum modo a catástrofe.
Passamos a viver apartados dos
humanos.
Após o incêndio, não tínhamos
como amenizar os ruídos que produziam.
Nem mesmo suportávamos direito o barulho
do bosque em que vivíamos, escondidos nas
mais profundas e escuras cavernas. Sempre
embolados.
Realmente, esse tipo de vida nos
entristecia.
E triste, lembrava-me de Joice.
Teria ele se juntado aos humanos ou
estaria por perto, a nossa procura?
Um dia, me senti resolvido a
voltar ao local do incêndio, querendo
trazer de lá a Flauta.
Imaginei. Quem sabe consigo
reconstituí-la?
E assim, eu e meus devaneios
adormecemos.
Enquanto dormia, sonhei. Em
sonho, estive com a Flauta Dourada, mas
em lugar diferente de onde aconteceu o
incêndio. Era um castelo enorme. Estava
lá, num salão. Carbonizada. Agonizante e
muda.
Quando me aproximei, uma grande
labareda tomou conta do cenário de morte
que se apresentava a minha frente. O fogo
crescia à medida que aumentava o meu
medo.
Claro, tratei de escondê-lo.
Então, a labareda diminuiu,
tomando a forma de uma grande boca.
Bradava palavras desconexas e
enfumaçadas, que eu não compreendia.
Resolvi tirar os tampões de meus
ouvidos. Aí é que nada entendi.
Só sons múltiplos e estridentes
saiam daquela boca de fogo.
De novo tapei meus ouvidos e
fechei os olhos num ato instintivo.
Foi quando pude perceber a
mensagem transmitida pela Flauta, através
da labareda.
Ela pedia que eu procurasse o
Mago do Silêncio Musical. Só ele poderia
nos salvar. A nós e aos humanos.
Nesse instante, uma forte
revoada de pássaros negros e enormes
tomou conta do salão do castelo,
apagando o fogo.
E eu, acordei.
Despertar mais estranho esse!
Olhei a minha volta e percebi,
em um canto da gruta, onde me encontrava:
lá estava a Flauta Dourada.
E nova! Perfeita!
Pegueia-a com cuidado.
A Flauta logo começou a emitir
seus sons, sem que sequer eu precisasse
soprá-la.
De repente, todos os elfos,
inclusive Odoronto, nosso Rei, surgiram
gruta a dentro, para ouvir e ver a música
da Flauta.
Tudo havia se resolvido.
Ao menos para nós, os elfos.
Pena que os homens não mais
puderam usufruir de sua magia.

Música: Bring a Torch, by Jeannette
Isabella

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