Guto Pinto

Nasceu no Rio de Janeiro, em 1971, sob o
signo de peixes. É peregrino por essência. Viajar é sua
verdadeira paixão. Acredita que o encontro com os personagens ao
longo dos 'caminhos' que percorre pelo mundo, é fonte cristalina
de aprendizado e crescimento interior.
Percorreu o Caminho de Santiago de
Compostela por duas oportunidades. Uma no ano de 2000 e outra em
2004. Destas viagens, surgiu a inspiração para escrever
Quando Dois Caminhos se Encontram.
Esteve à frente da diretoria da AACS (Associação
Brasileira dos Amigos do Caminho de Santiago) por alguns anos,
onde procurou de uma forma simbólica, continuar caminhando.
Release
Caminho de Santiago nas páginas de um romance peregrino
O livro de Guto Pinto será lançado em São Paulo na 19ª Bienal
Internacional do Livro
Sensibilidade de peregrino. Este é o motivo para um estreante
literário, Guto Pinto, de 34 anos, escrever o novo romance
“Quando Dois Caminhos se Encontram”, lançado recentemente na
Casa de Espanã, Zona Sul do Rio de Janeiro. Com tiragem inicial
limitada, o livro conta a estória de um peregrino que tem a vida
mudada depois de percorrer os cerca de 800 km do caminho de
Santiago de Compostela, que liga a França à Espanha.
Mais de 200 pessoas estiveram presentes no lançamento que contou
com o apoio da Associação Brasileira dos Amigos do Caminho de
Santiago (AACS-Brasil), a qual Guto Pinto já esteve à frente de
sua diretoria durante alguns anos. O sucesso no lançamento do
livro foi tão grande, que será lançado em São Paulo ainda este
ano, na 19ª Bienal Internacional do Livro, prevista para
acontecer entre os dias 09 e 19 de março.
Coincidência ou não, a obra demorou aproximadamente nove meses
para ficar pronta, período igual a da gestação materna, o que é
considerado pelo autor como o nascimento de um filho. De acordo
com Guto, mais do que promover uma reforma íntima, ele pretende
mostrar como o universo é capaz de agir em prol do destino.
- O livro condensa a vida de um peregrino e os 800 km do Caminho
de Santiago, em suas páginas. O leitor se identifica com a
personagem. Lágrimas e sorrisos, humor e destempero, acaso e
destino, derrotas e vitórias, carne e fluido em um só corpo.
Quando Dois Caminhos se Encontram é isso – define o autor.
Guto Pinto é carioca e percorreu o caminho de Santiago em duas
ocasiões, uma em 2000 e outra em 2004. A partir das viagens de
peregrinação surgiu a idéia de publicar o livro, que segundo ele
revela as experiências vividas no caminho. Peregrino por
natureza ele acredita que os personagens que encontrou no
período da viagem foram fontes de aprendizado cristalino.
Os interessados podem obter o livro através do site oficial do
escritor:
www.gutopinto.com.br, ou solicitando através do e-mail:
gutopinto@gutopinto.com.br.
O vento quente

O sol castigava. Nenhum dia havia sido mais quente e
solitário até então. Augusto ainda não havia cruzado com
ninguém. Percorria o trecho entre Estella e Los Arcos. O
caminho rasgava o verde. A beleza dos campos era
entorpecente. A solidão, mesmo depois de algumas horas,
não incomodava. Neste pedaço do "Caminho", não havia
muitas sombras. Os fatores conjugados, beleza, solidão,
silêncio, faziam a mente de Augusto, passear pelo
presente, mergulhar no passado e até viajar ao futuro.
No presente, pensou em todos os seus, vagou pela saudade
que deles sentia, balanceou criteriosamente sua vida,
pesou erros e acertos. A balança pendia conforme sua
severidade no momento.
No passado, com a velocidade da luz, foi com uma clareza
ímpar até sua infância. Vivenciou saudades, desvendou
receios, medos, perdoou antigos inimigos e naquele
momento, obteve uma paz suprema. Naquele instante, quase
vislumbrou Deus. Sentiu uma espécie de recordação muito
distante, muito vaga, daquele lugar. De alguma forma lhe
parecia familiar. Duvidou estar sentindo aquilo. Achou
que seu passado era muito mais antigo do que pudesse
imaginar.
Chegou a uma bifurcação, onde um marco de pedra, com uma
vieira estilizada, esculpida em relevo, indicava a
direção correta a seguir. No marco, havia a inscrição
Los Arcos, destino do dia.
Foi ao futuro. Uma cena veio-lhe à mente de uma forma
muito rápida e muito estranha. Foi como um insight. Um
flash. Piscou e espremeu rapidamente os olhos, como se
quisesse limpar a visão. Se viu com sua companheira ali.
Tamanho improvável pensamento, que o fez aterrissar
abruptamente. Como? Aquilo era a mais impossível das
hipóteses. Tinham gostos opostos, idéias e ideais tão
opostos que eram como o famoso postulado da física que
diz que os opostos se atraem. Jamais estariam juntos
ali. - Pelo menos nesta vida - pensou Augusto. A
conclusão doeu-lhe a alma romântica. Mas sentiu uma
espécie de consolo vindo daquele silêncio. Uma voz lhe
soou ao ouvido. Reverberou por sua cabeça e seu coração
e o fez estremecer. Foi como um sopro, um cochicho, bem
baixinho, de que um dia, passaria por aquelas terras
novamente, do jeito mais improvável: com sua mulher.
Para isso, seria preciso percorrer o "Caminho" e estar
atento ao que ele lhe falaria.
A solidão agora assustava um pouco. Augusto precisava
conversar. Dissipar de si o que ocorrera. Precisava
falar. Não queria mais ficar circunspecto. Temia que
estivesse louco e temia até, sem saber a razão, que sua
visão fosse verdadeira. Algoz de sua própria alma, não
se achava merecedor.
Lágrimas, filhas de um julgamento cruel, lavaram-lhe a
face.
Até que avistou um peregrino bem ao longe. Apertou o
passo. Mas notou que se aproximava rápido demais. Muito
mais rápido do que o ritmo que havia imposto a si.
Percebeu então, que o peregrino caminhava em sua
direção. Augusto ficou surpreso. Aproximavam-se
rapidamente e o andarilho, aproveitando uma sombra rala,
sentou-se.
Logo Augusto o alcançou. Era um senhor. Pele castigada
de sol e vincos, roupa farrapenta, barba e cabelos bem
grandes e alvos. Não carregava mochila, mas um surrado
alforje de couro. A esta altura, já comia uma maçã
deseducadamente e continha em sua feição, um ar pra lá
de misterioso. Não era exatamente uma figura destas que
queria encontrar.
Augusto analisava a estranheza do homem e por um
instante se pegou cometendo algo que tanto lutava
contra: o julgamento. Na verdade, um pré-julgamento,
sumário e por muitas vezes injusto. Talvez ele próprio
também fosse muito estranho para o senhor - pensou - e
logo se perdoou.
Diminuiu muito o passo até quase parar por completo. Foi
interceptado por um chamado do andarilho que lhe correu
a espinha. O homem começou a falar sem parar. Disse que
percorria o "Caminho" ao contrário e através de lindas
metáforas, contou que na vida também muitas vezes
fazemos o mesmo. E como foi enriquecedor esse monólogo.
De repente, o peregrino olhou fundo nos olhos de
Augusto. Olhou com uma força descomunal que quase o
intimidou e com uma voz grossa e rouca, carregada de
verdade falou:
- Você é o exemplo vivo disso! Percorres o "Caminho" por
uma família. Aqui, estás no sentido certo e necessário,
mas na vida não.
Augusto estava carregado de espanto e o homem
prosseguiu:
- Acertaste no nome, mas erraste na pessoa! Mas continue
caminhando, anda! - fez um gesto quase o enxotando dali.
E prosseguiu com a voz carregada de verdade: - Precisas
achar o sentido certo na sua vida.
Indignação e respeito invadiram Augusto. Aquilo não eram
simples palavras. Sabia que eram quase uma revelação,
quase uma profecia.
O homem mais uma vez fez o gesto para Augusto se
apressar. E assim ele o fez, despedindo-se com um aceno
tímido. Apertou o passo. Olhou para trás. Queria gravar
bem aquela cena. O velho já cochilava sob a sombra da
árvore. Augusto se perguntava até que ponto tudo aquilo
seria verdade. Não via meios de mudar sua realidade.
Resolveu então não crer em nada daquilo e duvidou do
peregrino, do "Caminho", do Universo. Desafiou o cosmos
mentalmente a provar a verdade de tudo aquilo, até que
um fato muito estranho aconteceu.
Tudo estava tranqüilo. As papoulas e o trigo não se
mexiam. Nenhum fio de brisa corria, até que um vento
quente soprou. E soprou apenas em torno de Augusto. Tudo
continuava parado. O vento, apesar de quente, fez seu
corpo se arrepiar. Sentiu uma força, uma espécie de
resposta do "Caminho", como se quisesse lhe dizer que
estava vivo. Que tinha força e até poder. Sentiu-se
quase que intimidado. Por fim, abriu os braços, aceitou
aquele calor e entregou-se ao universo.
O vento quente deu um último passeio por todo seu corpo,
até que parou por completo de soprar.

www.gutopinto.com.br

Música: By Ernesto Cortazar

Voltar
Menu
Art by
Ligi@Tomarchio®
|
|