Retratos Amarelecidos

As estações avançam inexoravelmente para o tempo fechado
Mares, estrelas, jardins, sorrisos, promessas e sonhos
esvoaçam em nuvens melancólicas e enxurradas afónicas
Já não existem cavalos alados e os anjos desertam os
paradeiros
Que ainda fruto, uma folha namora no hortal infecundo,
onde
crescem sem piedade sombras que deslizam para o silvado
do berreiro
Barulhos de amarroto nos pés enamorados, que o descalço
atordoa
no pisar plangente da fuga para o encerramento das
utopias
Que amanhecer!... Os orvalhos matinais estão quietos,
absorvidos
pelo evo cansado, diluíram-se na cavalgada da procura do
escaldão
Roçando a morte na interioridade de dois olhos
timoratos, almas
que procuram remédios desconexos, fazem montão no horto
da ruína
Quais movimentos!... Os sentimentos não são ventosidades
roteáveis
de semeios prováveis e colheitas de apetência
inverosímil, quenturas
que do corpo resvalam até ao canastro frio que acolhe a
paixão nua
e a sepulta na assembleia, que exulta em cânticos
entorpecidos
Que luz!... as velas ardem intermitentemente no olhar
cevado
Ainda alguma mão compassiva contraria o sopro da aragem
e conserva o luzir em dedos sacrificados, ferina
percepção
cozida de fumos, sem aproveitos, vangloria na sujeição
Ténue alumio sem lamento, sem júbilo e com o rosto
apagado
que se esvai em finas tiras de dias amarrotados
empilhadas em fardo
alimento dos infernos, que as restitui identificadas,
cinzas assinadas
O retrato cai no chão vencido, e é destituído no tempo
mencionado
Que tempo!... O tempo é compilação de misérias que o
homem adora
que o faz prantear, porque o caminho arquétipo sem
desvios, é liso
barafustado por margens devinhas dos bens e dos males,
que o debilita
e o atoleima na pose contemplativa do conforto cobarde,
imagem virginal
Que fim!... O fim não interessa, a imagem ainda pode
regenerar em salas abertas
Exposta em contra tempo, as luzes podem revir reflorir a
face absorta
E se a sofreguidão queimar o suporte num canto do
terreiro morto
Gorado o interpolar, o retrato revede e o horto recria
folhas, flores e frutos
E o pintor recomeça a tela, pedindo ao poeta para a
contar, em versos reversos
Só tu serás o meu
amor

Tecendo o teu
amor, que de farrapos impudicos, então era morado
Dou-te estios entesoirados, adubados nas humidades de
chão verde
Um cálice de água de cristal, colhida em lago montês
perfumado
E beijos afogueados, em boca acabrunhada, empalidecida
de sede
Revive peito ausente!... Comemora o reaparecer da tua
sedução
Desencova o fulgor de menina, que blusas negras
aniquilaram
Reacende os frescos tempos de eternos palpites,
afundados na razão
Ventre carente de semeios, de pele sem prece, de ais que
se calaram
Frémitos de ventos, que regressam aos montes sedosos,
sobreexcitados
Respiros musicais nas ancas, de movimentos que empolgam
os olhares
Saia vermelha, de luzes capeada, que o cio indómito
revolve os panos
No novo caminho, uma quimera assente em mil anseios
espelhados
Brilhos de gozo ressurgidos dos outonos frios, mão de
voo para amares
Soterro integral dos fios passados, mando no fado novo,
esqueço dos anos
Quisera!....

Quisera!!!
A palavra escorre em leito seco sem margens
ainda fluxos de humidades povoam a boca clamorosa
na recordação do areal roxo de beijos fundeados
Quisera!...
E o colo de espasmo ajardinado oferece movimentos de
colheita
que ventos adversos aleijam na procura de mão mendigada
poeira fértil na indagação do aglomero em estação de
espera
Quisera!...
Selo passado estampado num presente sem auroras - colado
no adormeço porvindouro acumulado em tempos ofendidos
que espera leitura recusando o desboto na vitrina
enxugada
Quisera!...
Ânsia de futuros risonhos em olhos chamejados - espigas
ainda fervedouros no mármore carnal que nos vestidos
espera
apanhos de ternura plantados nos seios cheios e maduros
Quisera!...
Que a alma viajasse em todas as letras soletradas em
estrados
empilhadas em melodia sem intervalos nos baques côncavos
onde a luz crepita em cordéis não atados no incêndio
desejado
Quisera!...
Que o arrumo dos arquejos encarvoados se dissipasse
e que a fúria que gelou o teu corpo em feiras indecisas
te trouxesse a palavra!...Queres? Que te cubra com o meu
amor..
*Homenagem à
poetisa Cora Maria (Brasil)
http://www.ferool.info/
 
Portugal/França

Música: Book of days, by Enya

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