Fernando Oliveira (ferool)

Retratos Amarelecidos

As estações avançam inexoravelmente para o tempo fechado
Mares, estrelas, jardins, sorrisos, promessas e sonhos
esvoaçam em nuvens melancólicas e enxurradas afónicas
Já não existem cavalos alados e os anjos desertam os paradeiros

Que ainda fruto, uma folha namora no hortal infecundo, onde
crescem sem piedade sombras que deslizam para o silvado do berreiro
Barulhos de amarroto nos pés enamorados, que o descalço atordoa
no pisar plangente da fuga para o encerramento das utopias

Que amanhecer!... Os orvalhos matinais estão quietos, absorvidos
pelo evo cansado, diluíram-se na cavalgada da procura do escaldão
Roçando a morte na interioridade de dois olhos timoratos, almas
que procuram remédios desconexos, fazem montão no horto da ruína

Quais movimentos!... Os sentimentos não são ventosidades roteáveis
de semeios prováveis e colheitas de apetência inverosímil, quenturas
que do corpo resvalam até ao canastro frio que acolhe a paixão nua
e a sepulta na assembleia, que exulta em cânticos entorpecidos

Que luz!... as velas ardem intermitentemente no olhar cevado
Ainda alguma mão compassiva contraria o sopro da aragem
e conserva o luzir em dedos sacrificados, ferina percepção
cozida de fumos, sem aproveitos, vangloria na sujeição

Ténue alumio sem lamento, sem júbilo e com o rosto apagado
que se esvai em finas tiras de dias amarrotados empilhadas em fardo
alimento dos infernos, que as restitui identificadas, cinzas assinadas
O retrato cai no chão vencido, e é destituído no tempo mencionado

Que tempo!... O tempo é compilação de misérias que o homem adora
que o faz prantear, porque o caminho arquétipo sem desvios, é liso
barafustado por margens devinhas dos bens e dos males, que o debilita
e o atoleima na pose contemplativa do conforto cobarde, imagem virginal

Que fim!... O fim não interessa, a imagem ainda pode regenerar em salas abertas
Exposta em contra tempo, as luzes podem revir reflorir a face absorta
E se a sofreguidão queimar o suporte num canto do terreiro morto
Gorado o interpolar, o retrato revede e o horto recria folhas, flores e frutos

E o pintor recomeça a tela, pedindo ao poeta para a contar, em versos reversos

 

Só tu serás o meu amor

Tecendo o teu amor, que de farrapos impudicos, então era morado
Dou-te estios entesoirados, adubados nas humidades de chão verde
Um cálice de água de cristal, colhida em lago montês perfumado
E beijos afogueados, em boca acabrunhada, empalidecida de sede

Revive peito ausente!... Comemora o reaparecer da tua sedução
Desencova o fulgor de menina, que blusas negras aniquilaram
Reacende os frescos tempos de eternos palpites, afundados na razão
Ventre carente de semeios, de pele sem prece, de ais que se calaram

Frémitos de ventos, que regressam aos montes sedosos, sobreexcitados
Respiros musicais nas ancas, de movimentos que empolgam os olhares
Saia vermelha, de luzes capeada, que o cio indómito revolve os panos

No novo caminho, uma quimera assente em mil anseios espelhados
Brilhos de gozo ressurgidos dos outonos frios, mão de voo para amares
Soterro integral dos fios passados, mando no fado novo, esqueço dos anos

 

Quisera!....

Quisera!!!
A palavra escorre em leito seco sem margens
ainda fluxos de humidades povoam a boca clamorosa
na recordação do areal roxo de beijos fundeados

Quisera!...
E o colo de espasmo ajardinado oferece movimentos de colheita
que ventos adversos aleijam na procura de mão mendigada
poeira fértil na indagação do aglomero em estação de espera

Quisera!...
Selo passado estampado num presente sem auroras - colado
no adormeço porvindouro acumulado em tempos ofendidos
que espera leitura recusando o desboto na vitrina enxugada

Quisera!...
Ânsia de futuros risonhos em olhos chamejados - espigas
ainda fervedouros no mármore carnal que nos vestidos espera
apanhos de ternura plantados nos seios cheios e maduros

Quisera!...
Que a alma viajasse em todas as letras soletradas em estrados
empilhadas em melodia sem intervalos nos baques côncavos
onde a luz crepita em cordéis não atados no incêndio desejado

Quisera!...
Que o arrumo dos arquejos encarvoados se dissipasse
e que a fúria que gelou o teu corpo em feiras indecisas
te trouxesse a palavra!...Queres? Que te cubra com o meu amor..

 

*Homenagem à poetisa Cora Maria (Brasil)

 

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Música: Book of days, by Enya

 

 

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