Alfredo Pereira dos Santos

Nasci em 7 de abril de 1943. Passei os 30 primeiros anos da minha vida em Copacabana. Fui Guarda-Vidas durante algum tempo e depois de passar pelos bancos de escolas de engenharia, estatística e matemática cabei me fixando na Informática, que se tornou a minha profissão. Criança e adolescente, jamais vi um programa de TV. Desse modo lia bastante. O meu herói de infância era o Tarzan, que eu imitava fazendo casas nas árvores da casa onde eu morava e para as quais subia por cordas que eu colocava à guisa de cipós.

Tenho um casal de filhos formados (ele, História, ela, pedagogia). Ambos casados. Tenho um neto, filho da minha filha.

Deixei de escrever poesia depois de receber a demolidora crítica do silêncio de dois poetas, um consagrado e o outro nem tanto.


Sentimentos


Tantos rostos e só o seu eu vejo
E estranho o forte sentimento meu
Que me sacode pela força do desejo
E indago de mim o que me deu

Você foi uma brisa que em mim soprou
Reforçando em mim a chama do desejo
A época de ser ousado há muito já passou
Mas nos meus sonhos delícias antevejo

A sua imagem povoa a minha imaginação
Nossos caminhos se cruzaram casualmente
Estaria isso escrito em algum livro ou não
Talvez nos afastemos normalmente

Você pode querer ignorar tais pensamentos
De qualquer forma você ocupou espaços
Na minha vida e nos meus sentimentos
Inspiradora que foi destes meus traços

Alfredo Pereira dos Santos
Rio de Janeiro, 12 de agosto de 2000

 

A Morte não Existe


Eu já tive muitas mortes
De modo que uma a mais, uma a menos
Não faz muita diferença
O que faz diferença são as vidas que vivemos.

A morte é só um instante
Em que nunca se consegue precisar
O momento infinitesimal que a separa da vida

A gente nunca conhece a morte
Pois quando ela chega a gente já não está
Morte e vida são eventos excludentes

Chega a ser engraçado
A gente ter tanto medo de uma coisa que nunca nos alcança
A morte não existe

A morte é como uma mulher
Em que a gente pensa mas nunca possui
Ela talvez nos possua, mas nos a ela nunca

Dizem que a vida é uma preparação para a morte
Mas isso é como se preparar para uma profissão que não se sabe qual é
E nunca se vai exercer

A morte deve ser uma coisa boa
Pois ninguém jamais voltou dela dizendo-se arrependido de morrer
Sei que esse argumento não é lógico, mas quem disse que há lógica
Em viver e morrer?

A.P.Santos, 8/5/1996

 

ESPASMOS DE UM POETA OCASIONAL

AGRADECIMENTO

Obrigado, Fernando Pessoa
Por me lembrar que o Binômio de Newton
É tão belo quanto a Vênus de Nilo
Só não gostei do vento
O vento, prefiro-o sem onomatopéias
Quero mais é senti-lo e ouvi-lo
Mesmo que seja daqueles que derrubam postes
E arrancam telhados das casas

UM SONHO

Sonhei que passei em frente
Da casa antiga onde morei
E constatei que ela ali não mais estava
Em seu lugar construíram um edifício
Entristeci-me e escondi o rosto entre as páginas de um livro
Para que as pessoas não vissem que eu chorava
No entanto, o edifício já está lá há tanto tempo
E só agora, em sonho
Eu pude sentir o que deveria ter sentido
E não senti
E chorar o que eu deveria ter chorado
E não chorei


GARGALHADA

Eu darei uma gargalhada
Em meio ao silêncio mortal
De todas as dúvidas existenciais:

Ser, ter
Ser, não ter
Não ser, ter
Não ser, não ter

Nada disso importa
No fim do caminho existe um abismo infinito
Onde todas as dúvidas desaparecem
E nós também

Manhã do dia 11 de outubro de 1990

 

Fim de Feira

Hoje eu vi uma cena terrível
Bem ali, na Praça Cruz Vermelha
Há quem a alma não a tenha sensível
Para ver o mundo que essa cena espelha

Num sábado um final de feira
O lixo se espalha pela rua
Contemplo tudo ainda que não queira
Sentir a vida assim tão nua e crua

A multidão de pobres o frio e a chuva enfrenta
Para não perder o banquete dos restos de comida
E penso se é preciso essa tormenta
tanta gente vivendo assim perdida

Faz frio e chove e o mês é o de agosto
Crianças trêmulas. Adultos também as mãos esfregam
Mendigos exibem no rosto a perplexidade e o desgosto
De quem ao Nada a própria sorte entregam

As palavras dizem mal o que senti
Um cineasta ali faria a festa
Não foi esse o mundo que eu pedi
Mas, enfim, é o mundo que nos resta.

12 de agosto de 2000

 

Poesias sem nome

I

Quando eu morrer não chorem por mim
Pois não haverá o que ser lamentado
O mundo não é um vale de lágrimas
Nem meio século de vida é muita coisa
Mas para mim já foi o bastante

Contudo, fico por aqui para cumprir o resto do meu tempo
A Vida é um bem muito precioso
E não se pode escarrar na mão de Deus
Ademais, um belo pôr de sol e um mar azul
Sempre serão coisas dignas de serem vistas

Hoje eu amo o silêncio e as lembranças
E penso nos universos paralelos
Talvez num deles um dia retomemos
Se é que se pode voltar a algum ponto de partida

Mas se nada disso for possível
E se esses anseios loucos não se concretizarem
O Universo não ficará minimamente abalado
Esperança é apenas uma palavra
E um desejo vão

II

Algumas pessoas se congelam
Para viver mais tarde
Muitos aspiram o Paraíso
E outros tantos querem voltar melhorados

Para mim uma vida é suficiente
Pois nada há no Homem que mereça ser preservado
E o meu quinhão já foi o bastante
Ter consciência é uma coisa terrível
Melhor seria ser um simples átomo
Ou menos ainda

A vida é uma coisa maravilhosa
E o amor também
Mas vale a pena?
Não será o preço muito alto?
(Ou, talvez, minha alma pequena)
A vida nos dá tudo
E ao final nos deixa sem nada
Quase nada, pois ficam as lembranças
Logo estas, que deveriam desaparecer

Sinto que não aproveitei tão bem
Alguns bons momentos que tive
E isso me aborrece
Por que não podemos voltar no tempo?

Rio de Janeiro, 19 de outubro de 1997

 

Quando os amigos se vão embora

É triste quando um amigo parte,
E nem ao menos se despede.

É triste quando ele se vai e deixa um vazio
Diretamente proporcional à grandeza da sua alma,
Obscurecendo o espaço das nossas existências,
Na ausência da sua luz.

É quando, perplexos, constatamos
Que a sua falta nos empobrece
E o nosso coração empedernece

É triste quando os amigos se vão embora
Antes da hora e assim dessa maneira,
Como se não fossem tristes todas as horas
E todas as maneiras pelas quais se perdem os amigos.

Meu Deus! quanto lugar-comum! Quantas coisas banais!
Mas não é isso que se costuma dizer nessas horas ?
Quando uma enorme sensação de impotência e de inutilidade nos invade
E procuramos, em vão, um sentido para as coisas?

*PS. Dedicado a um amigo de infância, morto por assaltantes, no Rio de Janeiro, em outubro de 1991.

 

Recordare

Hoje eu sonhei com os velhos tempos
Que se foram
Com os primeiros tempos
Quando todas as emoções eram novas
E todos os segredos ansiavam por revelar-se
Ainda que temerosos
Diante do desconhecido

Hoje eu sonhei
Com os tempos de formação dos afetos
E do desvanecimento dos medos
Com os tempos em que a gente nem pensava
Que tantas emoções e sentimentos
Pudessem se materializar e determinar
Que nossos caminhos passariam a ser um só,

Caminhos que trilhamos confiantes
Posto que a nós outros vieram se juntar
Completando-nos e dando total sentido
Às nossas existências

Mas nem tudo são flores e alegrias nessa história
De resto tão banal, e como tal
Cheia de coisas boas e ruins

Mas entristece-nos, sobretudo
Quando em meio à jornada
Alguém nos deixa
E, perplexos, constatamos
Que a sua falta é irreparável
E o nosso vazio profundo

E só nos consola a idéia de que
Um dia seremos também reduzidos à pó
De onde viemos e para o qual voltaremos
E viveremos, então
A grande integração.

A.P.S.
27/9/95, 5h30min

 

Sofrer e sofrer

Sofrer e fazer sofrer. Será este agora o meu inexorável destino?
Depois que ela se foi não consigo mais me entender. Perdi o rumo.
Só tenho feito besteiras.

A morte da pessoa amada é uma traição, uma espécie de golpe baixo
que nos pega desprevenido e nos põe a nocaute.
Que se pode fazer contra a morte, senão chorar e lamentar?

Não sei se quero ou se não quero que me amem.
Se eu morrer, chorarão por mim?
É melhor que não me amem, pois, pelo menos neste caso, nunca terão o que chorar.

Felizmente eu sou um grande fingidor e as pessoas não percebem que eu sofro. Faço-as rir para que pensem que eu sou feliz. Também não me levo a sério. Nem há nada em mim para ser levado à sério: um pobre mortal perdido nos labirintos da vida.

Talvez ainda restasse uma chance para mim, mas acho que a joguei fora.
Talvez o meu tempo já tenha passado e se esgotado o meu quinhão de felicidade.
Quem sabe se o que eu tive foi mais do que eu mereci?
Assiste-me o direito de reclamar da sorte?

Sempre fui devoto de Eros, mas sinto que Tanatos começa a rondar os meus caminhos. Vade Retro, Tanatos! Ainda não acabei de sofrer. Preciso lavar a minha alma!

Os místicos e os profetas nos falam das suas experiências transcendentais. Quanto a mim, transcendência só a alcancei através do Amor.
O único templo em que eu conseguia entrar com reverência era o corpo da mulher. Só ali alcancei a plenitude do ser, desligando-me do tempo e do espaço. Só ali pude reencontrar a minha humanidade e vencer a Morte.

Talvez tenha sido essa forma que Deus encontrou para a mim se revelar. Linda, maravilhosa forma! Mas, por que agora se esconde? Quem entende Seus desígnios? Eu trocaria todas as sinfonias de Beethoven, todas as sonatas de Mozart, as mais lindas partidas de xadrez, toda a obra de Machado de Assis por esses momentos de transcendência. Mas acho que Deus não faz negócios. Nem joga dados, como disse Einstein.

Mas Deus é um notável pedagogo! Vejam a maneira que Ele encontrou para nos ensinar que para tudo há um tempo, para cada coisa há um momento debaixo dos céus:

"Há tempo para nascer, e tempo para morrer."
"Tempo para plantar, e tempo para arrancar o que foi plantado."
"Tempo para rir, e tempo para chorar."
"Tempo para amar, e tempo para odiar."

E por ai vai.

É por isso que eu tenho vontade de dizer para as pessoas: "Afastem-se de mim, pois eu estou nos meus piores tempos." "Não me amem, pois não sei se poderei corresponder."

"Também não precisam me odiar; fiquem apenas indiferentes." "Não quero que vocês se machuquem nem que sofram." 'Também peço que não se apiedem de mim, pois, como eu disse, talvez o meu quinhão de felicidade já tenha se esgotado." "Por favor, não tentem me provar o contrário. Repito: não quero que vocês sofram."

"Não se preocupem comigo, pois trago em mim o espírito de Beethoven e o Destino, a qualquer momento, posso agarrá-lo pelas fauces."

Rio, 21 de junho de 2001

 

Música: Sinfonia Nº 9 (Scherzo) de Beethoven

 

 

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