Era tarde. Eu anoitecia.
Liguei os holofotes. Vibravam em direção à alameda, com suas palmeiras a espiar
as estrelas e a relva gotejando rasteira e quieta. Não me recordo agora, de
quantas dores e insatisfações desfilaram sob as luzes curiosas que acendia.
Poucas sei que não foram. Muitas hão de percorrer esse caminho...
Não faz muito tempo, conheci alguém que ao passar por mim, resolveu parar e
descansar. Um ser estranho, diferente do que sou. Decidi conhecê-lo melhor. Há
muito o observava à distância. Carregava tanta tristeza... Eu podia vê-la. Isso
me intrigava. Aproveitei a ocasião para esclarecer minhas dúvidas. A cada
movimento daquele ser eu percebia a dificuldade de compreensão consumir sua
singular existência. Coloquei-me à disposição, tornando minha aparência
semelhante a sua. Cheirava. Ouvia. Olhava. Sentia. Falava. Pensava...
Seu nome era Constância. Mulher jovem de aparência. Disse ser uma escritora
famosa. Contava algumas histórias fictícias, outras da realidade de sua
existência. Ouvia com paciência, sem conseguir satisfazer a curiosidade que me
perseguia. Num dado momento, percebi que seu olhar parava nas águas. Foi assim
que descobri, a dor que vinha assolando os passageiros da Alameda das Palmeiras.
Pude ver nas águas, aquele belo ser humano, agonizando. Num átimo, voltava seu
olhar para o meu confirmando minha suspeita: os seres humanos, não admitem a
morte e não suportam a vida. Constância, como os outros que por ali passaram,
estava morrendo...
Para se justificar, a jovem retirou de sua bolsa um manuscrito, que dizia:
“Tenho certeza de que estou enlouquecendo de novo. Seremos todos loucos?
Possivelmente não. Ou seria certo se dizer que todos um dia ficaremos privados
de lucidez? Não creio. Apenas sei de como me sinto e sou. Como vejo esse mundo
obscuro e surdo às lamentações que surgem, ecoando das montanhas e vales
sombrios da existência. Pura vergonha existir. Covardia persistir. Há de se
encontrar a coragem emergencial da morte como opção de vida. Não sei bem a que
tipo de vida me refiro, mas a qualquer outra forma de ser. Talvez, quem sabe,
noutra dimensão.(Devaneio)... Os loucos não devaneiam? Serei eu a próxima vítima
da incompreensão? As mãos ao transpirarem fazem com que a caneta escorregue
entre os dedos, as palavras somem,esquecidas, perdidas na imensidão do
inconsciente... O horror se compõe com a vontade e cria-se um novo amanhã.
Manhã silenciosa, macia, clara... Pássaros livres saltam dos olhos ardentes de
luz... As águas da sabedoria falam às margens,encobrindo de umidade as raízes
sombrias, profundamente fixas aos seus interesses e objetivos... Breve nos
veremos Virgínia Woolf...”
Adeus Constância! Guardo a lembrança daqueles últimos momentos seus...
Preciso desligar os holofotes!...

Música: Adagio em Sol Menor,
by Tomaso Albinoni

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